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Organização Horizontal – Tão simples e lógica, quanto difícil e rara

Organização Horizontal – Tão simples e lógica, quanto difícil e rara

“Erros podem normalmente ser corrigidos depois; o tempo que é perdido em não tomar uma decisão pode nunca ser recuperado.” (Jan Carlzon)

No excelente livro “A Hora da Verdade”, Jan Carlzon, na época um jovem executivo sueco do setor de transporte aéreo, relata sua experiência na direção de 3 empresas do ramo de turismo e aviação. Como evoluiu de um gestor “normal” que ditava regras e tomava todas as decisões, para um líder inspirador que implementou mudanças radicais na forma de estruturar uma organização, virando de cabeça para baixo a hierarquia, com redução de níveis organizacionais e dando maior autonomia para o time da linha de frente, em especial na SAS (Scandinavian Airlines).

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Minha intenção não é fazer um resumo do livro ou uma avaliação definitiva de ‘certo e errado’, mas isolar e trazer à tona uma reflexão bastante importante contida na obra, para que cada um possa avaliar e correlacionar com suas empresas e estilos de gestão. Confesso que a leitura causou esse efeito em mim, de estimular uma reflexão profissional com relação às organizações com as quais tive contato e com relação ao meu próprio estilo de gestão e condução de projetos. Em nossa rotina intensa de trabalho, infelizmente, são raras as pessoas que nos trazem oportunidades reais de reflexão profissional profunda, então gostaria de tentar proporcionar o mesmo aos profissionais de minha rede de contato.

O livro relata com riqueza de detalhes a carreira do executivo, que foi dos mais jovens CEOs do setor aéreo nos anos 80. SIM, os fatos narrados se passam nos anos 80! E o que mais espanta é que eles são muito atuais. Os dilemas, estratégias e modelos organizacionais relatados continuam insistentemente presentes no universo corporativo atual.

O pano de fundo, para um profissional de marketing como eu, consiste no Propósito e no Modelo de Negócio da Companhia. Essas diretrizes tão importantes e que raramente estão definidas, claras e bem comunicadas a todos os colaboradores de uma organização. Além disso, há o vício muito comum do excesso de endogenia, que leva empresas e mesmo setores inteiros a criar internamente “seu jeito” de fazer as coisas, o qual normalmente vai “comoditizando” e padronizando tudo. Mesmo que muitas dessas práticas não façam sentido ou não atendam ao cliente final, elas se tornam verdades absolutas, inquestionáveis e invioláveis.

Essas práticas eram marcantes na aviação europeia nos anos 80, quando havia regulamentação restrita de todas as operações, com baixa concorrência e muita reserva de mercado, “garantindo” alta previsibilidade para as empresas. Não é segredo que a redução da concorrência gera negócios e profissionais preguiçosos e egocêntricos, que resulta em empresas inchadas, com muitos níveis hierárquicos, luxo, orgulho, desigualdade, centralização e o pior, péssimo atendimento aos clientes. Como resultado, todos os altos executivos se vangloriavam por suas aeronaves ultra modernas, seus escritórios e carros de luxo, alto número de funcionários e diferentes serviços que “controlavam”. Sim, há uma importância exacerbada para controle ou sensação de controle, pois toda a atmosfera criada estimula o desenvolvimento de lideranças autoritárias e que assumem para si TODAS as decisões. O problema é que o nome do cargo não fornece automaticamente o conhecimento para tomar tantas decisões e frequentemente os executivos não têm mais “tempo” para ouvir os clientes ou a linha de frente.

A repetição de um modelo único e centralizado de gestão, cria um ambiente de dependência em TODA a organização, como se o CEO fosse um oráculo que tudo sabe e tudo decide. Como o exemplo maior de qualquer corporação é o seu líder, diretores e gerentes de nível médio também adotam essa postura e, ao final, a organização como um todo não olha mais com atenção para o cliente e para sua linha de frente, concentrando grande parte de seus recursos e esforços em manter e ampliar o sistema interno, inchando a companhia.

Outro aspecto interessante destacado por Jan Carlzon é a falta de clareza no propósito central do negócio e a ampliação do leque de projetos até bons, mas que não estão em linha com a estratégia, pois esta não está bem definida e também não está disseminada por toda a organização. No caso da SAS, citado no livro, o primeiro passo foi identificar e registrar o “óbvio”: que o negócio da empresa era focar em viagens de negócios e as necessidades que esse tipo de cliente tinha. É importante, mas difícil, dizer NÃO às boas ideias, mas que não estão alinhadas com o plano. Sim, após definir qual era o “Core Business” foi necessário dizer muitos nãos e manter o discurso com decisões práticas, claras e, muitas vezes, impopulares. 

Viagens de turismo representam um grande e atrativo mercado, porém com necessidades contrastantes com as dos viajantes executivos. Tendo determinado se tornar a melhor companhia para viagens de trabalho, tudo havia sido estruturado com esse foco, desde aeronaves menores, rotas diversificadas e sempre diretas, dias e horários dos voos e rigorosa pontualidade. A contrapartida eram preços mais elevados e agilidade para reservas em datas próximas dos voos. Com esse desenho estratégico implementado, o atendimento de viajantes de turismo seria sempre pior do que dos concorrentes, que escolheram esse perfil de viajante como seu público-alvo.

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Porém, para tomar decisões corretas em linha com o objetivo central da empresa, as pessoas precisam ter conhecimento claro da estratégia e informações relevantes em relação a ela. Cria-se aí mais um obstáculo à descentralização e foco para o negócio: a comunicação. No decorrer da obra, o autor descreve várias situações nas quais a comunicação foi fundamental para criar um clima de união e orientação, gerando uma nova energia na empresa, que trouxe sugestões, mudanças e decisões acertadas por parte dos funcionários. Em outras situações a comunicação foi falha ou passou mensagens erradas para públicos específicos, que geraram desmotivação e precisaram de grande esforço posterior para a correção. Isso ocorreu com cargos mais técnicos, como pilotos e mecânicos, que se sentiram desprestigiados em uma empresa que passa a se voltar mais ao mercado e aos funcionários que prestam serviços diretamente aos clientes. Mas como se sabe, uma escolha implica necessariamente em exclusões implícitas que, com o passar do tempo, precisam também ser resolvidas pelo líder.

A habilidade de comunicação se mostra tão ou até mais importante do que habilidades técnicas de gestão, como planejamento e controle, para as maiores lideranças da companhia. A capacidade de converter a visão do negócio em poucas palavras, em linguagem simples e direta, que traga segurança a todo o grupo, é fundamental. As lideranças de uma empresa descentralizada passam mais tempo ocupando-se com a comunicação do que com qualquer outra coisa e, caso não o façam, todo o projeto pode ser derrotado ao longo do percurso. Especial atenção é necessária com os gerentes de nível médio, que são certamente os mais atingidos num processo desse tipo, pois sentem que perderam o poder de tomar decisões para seus subordinados e sofrem maior pressão da direção da empresa. O sentimento de “rebaixamento” não pode ser negligenciado e não pode crescer nesse grupo, que tem o poder de minar o processo e de contaminar todo seu time no sentido de manter a organização dependente de suas decisões.

As dificuldades na implantação e manutenção de uma nova organização da companhia e de uma nova estratégia de negócios demandam que alguns “remédios sejam prescritos”. Um dos mais importantes é um novo sistema de objetivos e metas, que deve ser facilmente associado à estratégia geral e aplicável a todos os colaboradores. Se a companhia é orientada para os clientes, o posicionamento dos aviões no aeroporto deve priorizar a menor distância de caminhada para eles e não a menor distância de manobra da aeronave. Uma meta que foque apenas em reduzir o tamanho da equipe e o tempo para o posicionamento dos aviões, pode afastar a empresa de sua estratégia de ser a melhor para quem paga a conta: o cliente.

Outro “remédio” também foi fundamental para que a companhia conseguisse sucesso em sua transição. Mudanças significativas como as descritas certamente geram engajamento em todo o time, mas também uma tensão e dedicação extras, que precisam ser reconhecidas. Ações simples mas dirigidas a todos os colaboradores, ao final de cada ciclo, como uma carta do presidente com um presente que tenha ligação com a conquista alcançada, podem a princípio parecer óbvias e inócuas, mas têm um papel importante para mostrar que a construção está no caminho certo e que a liderança está enxergando e valorizando o esforço de cada um. Eventos internos, comunicados e festas também não podem ficar de fora de um processo de mudança estruturado e dirigido. Gosto de associar esse tipo de processo com atividades esportivas e, nesse caso, não visualizo uma corrida, mas sim o Triatlo, que permite ao atleta percorrer uma distância total de 51.500 m, mas com checkpoints, locais de abastecimento, troca de estratégia e de equipamentos, até atingir a meta final. Os locais de abastecimento, o acompanhamento do time no carro de apoio e as trocas rápidas, são importantes estímulos e provas do dever cumprido até aquele ponto, para se iniciar uma nova etapa e um novo desafio – assim como os eventos, comunicados, presentes, prêmios e reuniões de agradecimento, para uma companhia em processo de mudança.

A definição de um objetivo claro, a comunicação eficiente, metas acertadas e recompensas tiveram um efeito enorme e revolucionaram não só o resultado da companhia, assim como a avaliação da empresa pelos clientes e as organizações do setor aéreo. As mudanças promovidas criaram uma força poderosa e flexível, liberando a energia potencial dos empregados. Essa energia foi capaz de “atravessar paredes”. Sempre haviam muitas desculpas para resistir a qualquer ideia inovadora: “As autoridades nunca permitirão isso”, “Isso nunca vai dar certo”, “Isso nunca foi feito por ninguém”. Ao longo dos anos, com ousadia, intuição e confiança, muitas paredes se mostraram de papel e não de tijolos, pois haviam sido erguidas pela própria indústria e suas práticas tradicionais. Faltava sempre alguém com convicção e insistência suficientes para testar o “impossível”.

O livro não é novo, nem traz um tema disruptivo. Todos nós, profissionais de gestão, já ouvimos falar muito em organizações com menos níveis hierárquicos, com mais força para o time de frente, com objetivo claro e bem comunicado, com metas e reconhecimento adequados. Mas então, se é tão bom e lógico, por que não vemos tantos exemplos de empresas de médio e grande porte atuando dessa maneira? Quem sou eu para tentar responder a essa pergunta de modo genérico. Minha experiência direta como gestor e colaborador é restrita a poucas empresas e minhas observações seriam válidas, no máximo, para explicar o caso destas, mas nunca de todas. Então, o que me atraiu no livro foi justamente a descrição detalhada de quão difícil e longo é o processo de construir essa empresa orientada e descentralizada, e talvez aí esteja um ponto em comum para qualquer processo semelhante. É preciso ter um “ditador esclarecido”, como descreve o próprio autor, que dê a faísca inicial, mas depois disso é preciso muita disciplina, paciência e perseverança, habilidades muitas vezes atropeladas pela necessidade de entregas de curtíssimo prazo descoladas de um plano maior de médio e longo prazos. Outros aspectos, técnicos, materiais ou comportamentais, deixo para cada um avaliar em suas empresas e, mais importante, em si mesmos como verdadeiros líderes em seus departamentos e times.

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Para encerrar, deixo a frase (adaptada) mais marcante e que prova que Jan Carlzon conseguiu de fato entregar o que propôs para a SAS, além dos resultados financeiros:

“Quando tirei férias de quatro semanas e o telefone não tocou soube que o sistema que propus para a companhia estava funcionando. Muitas decisões foram tomadas. Não gostei de todas elas, mas o mais importante era que tinham sido tomadas.”

 Será que você pode tirar férias assim? De coração, espero que sim!

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